Documentação Chinesa

Um trabalho sobre a China Antiga não seria completo se não utilizássemos uma gama variada de fontes, datadas basicamente a partir da época de Confúcio, como foi visto. Uma variada coleção de livros era a base, já na época Han, para o estudo e a compreensão da cultura e do passado da China. No mesmo período, já havia também até uma certa preocupação em se determinar a época, o estilo e as formas de alguns objetos artísticos, culminando com a criação de pequenos museus e antiquários particulares, onde especialistas trabalhavam, tal como os bibliotecários, para determinar as condições históricas de uma peça (Paul-David, 1957). Muito provavelmente seus métodos eram os mesmos do Shi Ji: recolher, comparar e analisar. Mas tal contribuição no campo da análise material não foi de grande valia, ao que se saiba, para os antigos chineses, servindo com interesse, realmente, a arqueologia moderna (que abordaremos adiante).

Voltando as nossas fontes literárias, os chineses elaboraram classificações diversas das obras que julgavam serem as mais importantes para o estudo de sua própria História e Cultura, e no século I a.C. já se havia estabelecido uma categorização para classificar os textos. O sábio Cai Yong (133-192) (Gernet, 1969:158) fixou, depois, o conteúdo dos seis clássicos (hoje, somente cinco) que seriam a base fundamental de estudo da cultura, como proposto por Confúcio: o Shu Jing, Shi Jing, I Jing, Li Qi, Chun Qiu e Yue Jing. Na divisão estabelecida durante a Dinastia Han, além destes tratados tidos como básicos, as categorias que se seguiam eram: os textos Históricos (Shi Ji e o Han Shu) e os Livros das escolas de pensamento, sub-divididos em; Escola de Confúcio (Lunyu, ou Conversações, Daxue, ou Grande Ensinamento, Zhongyong, ou Doutrina do Meio e o Livro de Mengzi, ou Mêncio, recebendo depois a adição do Xiao Jing, ou Clássico da Fraternidade, e o livro de Xun zi); Escola do Tao (Dao De Jing, ou Livro do Caminho e da Virtude, de Lao zi, o livro de Lie zi, o livro de Zhuang Zi e ainda, um tratado intitulado Huainazi); Escola Legista (o livro de Shang Yang e o Han Fei zi); Escola Moísta (o livro de Mozi); e por fim, uma parte em aberto onde eram agrupados os diversos tratados de outras escolas e de vários gêneros tidos como não clássicos, mas importantes.

Por isso mesmo, essa classificação arbitrária não impedia que vários outros livros existentes não fossem lidos e trabalhados amplamente. É o caso do Nei Jing, ou livro Interno, um tratado de medicina e ciência antiga utilizado pela Escola de pensamento do Yin-Yang e pela Escola Wu Xing; havia também o famoso Sun Zi Bing Fa, ou o Livro da lei da Guerra de Sun Zi, datado da época dos Estados combatentes; o Zushun Jiniam (o citado Anais de Bambu) e o Yantienlum, ou Tratado do sal e do ferro, texto datado provavelmente da época Qin, sobre questões econômicas; somam-se o trabalho de Wang Fu (Qianfulun - uma coleta de textos críticos ao regime e a sociedade da época), Wang Chong (Luheng, um longo texto de reflexões críticas sobre a filosofia e a ciência) e o de Cui Shi (Zhenglun - um tratado sobre a razão de Estado dos Han), entre vários outros, o que demonstra, por fim, como eram variadas as fontes nas quais os chineses podiam beber para construir sua própria história. Assim, esta concisa apresentação tem apenas por objetivo mostrar o que os próprios chineses consideravam como básico para se ler: o que não quer dizer que lessem somente isso, mas o que não quer dizer também que todos conseguissem ler, ao menos, uma parte destes conteúdos; o que nos faz concluir que, na China, a produção da História e da Cultura estava (como em várias outras partes do mundo) fortemente vinculada à elite. A partir desta época teremos ainda uma fixação mais definitiva dos textos antigos, que sofrerão alterações ocasionais mas que manterão uma forma razoavelmente estável até as versões atuais. E, com os elementos arqueológicos, vamos construindo os modelos de que dispomos - pois esta é um das ciências que mais tem contribuído para o conhecimento da China Antiga.

A Arqueologia têm resgatado do fundo da terra as imagens de uma civilização rica, desenvolvida e poderosa desde a antiguidade. Já no início do século XX se descobriam as carapaças de tartaruga com inscrições antiqüíssimas - origem remota da escrita chinesa, que lhe deu base e a sustenta como a escrita em vigência mais antiga do mundo; ao mesmo tempo, expedições pela Ásia central revelavam os incríveis depósitos de textos antigos de Dunhuang, bibliotecas até hoje a serem traduzidas em sua complitude dada a quantidade magnífica de achados; na década de 50, as tumbas Shang de Anyang revelam o mundo dos bronzes antigos, confirmando listagens antigas de nobres e reis da antiguidade, e alçando a cronologia chinesa à uma época cada vez mais distante; no seguir das décadas de 60 e 70, temos as descobertas de tumbas antigas da época Zhou e Qin, incluindo aí a famosa tumba do Marques de Yi e o colossal mausoléu dos guerreiros de terracota de Qinshi Huangdi - enfim, a arqueologia chinesa têm promovido a descoberta de evidências, materiais e obras de arte que falam por si próprios perante os documentos, mas que muitas das vezes os complementam e os revelam. Sima Qian terá sua cronologia comprovada; a tumba de Qinshi Huangdi demonstra também que seu relato sobre a magnífica cripta não era exagerado. As documentações chinesas, pois, exigem uma grande habilidade para serem trabalhadas, manipuladas e analisadas, mostrando a complexidade e profundidade desta cultura (ver Watson, 1969 e Thorp, Reinos Soterrados da China, Abril; 1998).