Período Shang

Mapa Shang

A civilização Shang é conhecida, também, como Idade do Bronze Chinês ou Época da Realeza Palaciana. No entanto, ambos os termos são um tanto quanto imprecisos. Nossa tendência é sempre de realizar uma analogia entre os sistemas políticos e sociais da antiga China com os nossos equivalentes ocidentais, mas tal consideração merece uma avaliação cuidadosa.

Vejamos a denominação arqueológica: na época Shang, a metalurgia do Bronze desenvolveu-se tecnicamente de forma rápida e avançada, ultrapassando em muito as conquistas do Ocidente. No entanto, houve também um relativo domínio do ferro, que, no entanto, conviveu muito tempo com o bronze sem substituí-lo. E, quando o ferro passa a ser utilizado mais amplamente, na época dos Qin - Han, uma das etapas de transição (a do ferro martelado para a do ferro fundido) parece não ter existido, conquanto as técnicas do bronze possam ter sido utilizadas como substitutas para tal fim. Os Shang também dominavam a construção de carros de combate, com os quais guerreavam e eram enterrados: e até a época Han estes foram utilizados de forma ampla. Tais indícios, por conseguinte, demonstram que a uniformidade que caracteriza os períodos arqueológicos no Ocidente não pode ser aplicada, sem uma devida adaptação, ao contexto chinês. O mesmo acontece em relação à denominação histórica de Realeza Palaciana. Sabe-se que os Shang viviam em cidades-estado e que estas, muito provavelmente, possuíam alguma autonomia. No entanto, quais eram as relações entre as mesmas que caracterizariam, possivelmente, uma monarquia, tal como existia na época? Podemos falar de um imperador Shang ou de Reis Shang? Sabemos também que eles se identificavam como um grupo étnico de características particulares e comuns, mas em que isso influenciava sua prática política e social? As respostas que possuímos para este período são ainda um pouco incompletas e inseguras.



Vaso Trípoda Shang




Os Shang pareciam ser um grupo étnico fortemente vinculado a cultura Longshan, evidenciado por algumas semelhanças em suas culturas materiais: uso de muros de terra batida em torno das cidades, utilização de ossos e tartarugas em artes divinatórias, e um estilo artístico próprio que aparecia nas cerâmicas antigas (preta e pintada) (Gernet, 1979:58-61). Há um hiato, no entanto, entre o surgimento dos Shang e a civilização Longshan; a primeira surge, nos depósitos arqueológicos, longe dos tempos ceramistas, dominando uma avançada técnica de emprego do bronze; "Como os homens da cultura Longshan e os da cerâmica cinzenta, os Shang fizeram grande uso da madeira para as suas construções e a sua baixela. Toda uma série de vasos de bronze – aqueles cujas formas são angulares – seriam cópias de vasos de madeira. Por outro lado, a arte dos Shang é uma arte animalista, não apenas na decoração como nas formas, dando provas, num tal domínio, de uma fantasia e um gênio inventivo surpreendentes (vasos em forma de carneiros, de corujas, de rinocerontes, de elefantes...). Só pela sua arte, a civilização chinesa da época dos Shang apresenta-se já, praticamente, tanto como uma civilização de caçadores e criadores como de agricultores'.(ibidem, 1969) O Bronze, aliás, é a grande marca dos Shang: inúmeras coleções de recipientes dos mais variados tipos e funções são normalmente encontradas nas tumbas deste período. O estilo artístico empregado em sua confecção (já nesta época realizada em pré-moldados) manifesta os elementos identificadores da cultura Shang. Sua composição étnica é comprovada pelo estilo inconfundível dos vasos rituais trípodas e pela máscara Tao Tieh, motivo decorativo vulgar (e aparentemente estatal) que identificava o grupo. Soma-se a isso a escrita, que aparece nos cascos de tartaruga e ossos animais para realização de presságios e oráculos. Este sistema de inscrições está parcialmente decifrado, e possui conexões com os ideogramas que comporiam a escrita chinesa tal como conhecemos hoje.



Exemplo da Máscara Tao Tie


O aspecto ritual e religioso desta sociedade é de suma importância, tendo em vista a quantidade de achados do gênero: sacrifícios constantes de carne e vinho de arroz eram feitos aos deuses (que tinham características transitórias entre o Zoomorfismo e o Antropozoomorfismo) e depositadas em urnas especiais, das quais muitas sobreviveram graça a sua qualidade. Por vezes, os mesmos ritos buscavam atrair reis mortos e grandes antepassados. As tumbas Shang demonstram que havia a prática da servidão e do escravismo, já que eram feitos holocaustos maciços de condenados, presos e pessoas dedicadas em vida (e também, na morte) ao nobre falecido. Este era enterrado com seus pertences materiais, armas, animais e os mesmos servidores degolados, cuja cabeça era depositada em separado do corpo. Os primeiros indícios da escrita também surgem através da prática religiosa: ideogramas primitvos aparecem, gradualmente, em ossos e carapaças de tartaruga utilizados com fins oraculares. Estas inscrições são a chave para compreender as origens do sistema logográfico chinês, sitaundo como a mais antiga escrita viva em todo mundo.


Osso gravado com antigos caracteres

Os Shang não eram também um grupo disperso: apesar da vida organizada em cidades semi-autônomas, parece ter havido a ascensão de reis responsáveis pela administração dos interesses coletivos das comunidades. Três são os motivos que nos levam a crer nisso: primeiro, a construção de cidades centrais (capitais), dentre as quais se destaca Anyang, responsável pela articulação e reprodução do poder Shang;

"Os Shang parecem ter-se organizado como uma forma de cidade-Estado sob uma monarquia que, no início, foi muito forte. Havia aldeias-satélites não muito longe da capital central e o Estado tinha meios de controlar as comunidades a uma grande distância. Mais de 50 sítios com restos dos Shang, nove deles de grande, importância, foram identificados na região do rio Amarelo e da planície da China setentrional. A localização da capital murada sofria mudanças, e dois dos mais importantes sítios foram Zhengzhou (provavelmente a antiga capital de Ao), fundada durante o reinado do décimo monarca e ocupada desde c. 1500 a 1300, e Anyang, também conhecida como Grande Shang, que data do tempo do 19o rei, em 1300, até a queda da dinastia em 1027 a.C" (Morton, 1986)

Em segundo lugar, a necessidade existente de resistir às invasões daqueles que eles julgavam ser “bárbaros”, na verdade povos nômades ou mesmo outros reinos que conviveram com esta dinastia no espaço físico da China Antiga; por fim, o fato de existirem listas com as gerações reais que coincidem, com precisão razoável, com as apresentadas por Sima Qian no Shi Ji.

O domínio dos mesmos se restringiu bastante à região norte, e suas fronteiras viviam em constante tensão e conflito. Seu modo de vida, essencialmente agrícola, apresenta uma certa inclinação pecuária que se refletia nos hábitos alimentares e nos sacrifícios.

Existem indícios de que a agonia dos Shang, em torno do século XI, se deu pela fragmentação de seu poder interno, aliado ao contexto de invasão externa que teria sido promovido pelos grupos constituidores da dinastia posterior, os Zhou. Os elementos que denotam a diferenciação entre estes estrangeiros e os Shang estão presentes, por exemplo, nas questões religiosas. Uma das primeiras medidas Zhou foi acabar com a prática dos sacrifícios humanos quando da morte de nobres: estes foram substituídos por estátuas de pedra ou madeira. Os Zhou aparecem como mais guerreiros, dinâmicos, mas com uma mentalidade aberta o suficiente para absorver os elementos culturais e técnicos que mais lhes interessavam dos Shang. É o caso dos estilos artísticos e da manutenção do Bronze. No entanto, ocorreu uma transformação no sistema político e social, já que os Zhou instauraram um novo tipo de regime monárquico feudatário.


Exemplar de Bronze Shang do Período de Transição


Assim sendo, parece-nos que os Shang são o primeiro grupo organizado, na civilização chinesa, a partir de uma série de reminiscências proto-históricas que lhes garantem seu caráter. No entanto, vemos que outros grupos conviveram com os Shang em seu período de existência, o que nos faz concluir que a construção confucionista de uma história dinástica e étnica linear não era precisa: os Zhou seriam, em essência, uma fusão da cultura Shang modificada com os elementos trazidos por outros grupos étnicos habitantes de um espaço entre noroeste e o alto sudoeste chinês. E com os Zhou se iniciaria, no imaginário chinês, o “grande período de Ouro”.